O demônio fala com a nossa própria voz | Abismo de Dostoiévski – Parte 2
O mal em Dostoiévski não vem de fora — ele brota do próprio “eu”.
O demônio está dentro
Você já ouviu a sua própria voz dizendo algo que te assustou? Já teve pensamentos tão sombrios que preferiu ignorar, fingir que não eram seus? Dostoiévski ouviu. E escreveu sobre isso. Em suas páginas, o demônio não é uma criatura sobrenatural: é uma parte oculta do homem, uma região profunda da alma que sussurra traições, rancores e desejos inconfessáveis.
Vivemos fingindo que o mal está lá fora. Que os criminosos são os outros. Que os perversos são monstros distantes. Mas e se o verdadeiro mal for íntimo, cotidiano, familiar? E se a voz que nos leva a destruir, mentir, odiar e invejar não vier de um espírito externo, mas da nossa própria consciência?
Em Dostoiévski, os demônios têm nomes humanos. Raskólnikov, Smerdiákov, Stavróguin, Ivan Karamázov. E o mais perigoso: o “homem do subsolo”. Não há monstros no mundo. Só almas que se tornaram reféns de si mesmas.
Dostoiévski e a psicologia do mal
A genialidade de Dostoiévski está em antecipar a psicologia profunda antes de Freud, Jung ou Lacan. Seus personagens não são “maus” por falha moral — eles são abismos ambulantes, guiados por impulsos contraditórios, sabotagens internas, ódio de si e desejo de punição.
Ivan Karamázov cria um argumento filosófico perfeito contra Deus. Mas logo esse argumento encarna — literalmente — num delírio demoníaco que o visita. Um duplo. Um “ele mesmo” sarcástico, cínico, diabólico. O demônio em Ivan não é um ser externo: é a sua razão distorcida pelo orgulho.
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