A Armadilha da Liberdade Instantânea | Abismo de Dostoiévski – Parte 4
A fenda invisível que corrói nossos pilares de segurança enquanto aderimos ao conforto das narrativas oficiais
Canto da sereia fiscal
Vivemos tempos de promessas sedutoras. Fim aos sacrifícios, expansão de benefícios, garantia de que tudo seguirá como sempre foi. Mas por trás dos discursos bem ensaiados, algo ruge nas entranhas do Estado. Um vazio assustador que se alastra lentamente, corroendo o que antes sustentava a segurança de milhões. Esse vazio tem nome: o buraco invisível na previdência.
Não se trata de uma falha técnica isolada, mas de uma fissura profunda na nossa compreensão coletiva de responsabilidade. A cada anúncio triunfal, alimentamos a ilusão de abundância eterna, enquanto assistimos ao escoamento silencioso dos recursos que deveriam nos amparar na velhice, na doença, no fim da jornada.
Diagnóstico do problema moderno
O mecanismo previdenciário, concebido para distribuir esforço e proteção, transformou-se num campo minado de expectativas e desequilíbrios. Ninguém ousa chamar a responsabilidade pelo que escapa aos olhos, pois admitir a falência parcial de um dogma é arriscar a própria credibilidade. É mais cômodo aceitar narrativas acríticas: “É só questão de ajuste” ou “Bastam cortes administrativos”.
Mas cortar aqui e ali não resolve o cerne: a disparidade crescente entre quem contribui e quem recebe, o aumento crescente da longevidade acompanhado pela estagnação salarial, a informalidade que drena a base de arrecadação. São variáveis que conspiram para um inexorável descompasso.
Este não é um problema de planilhas abstratas e números enganosos; é um sintoma de nossa relutância em enfrentar as contradições que alimentamos cotidianamente. Consumimos discursos fáceis enquanto o precário se torna norma. O déficit do sistema previdenciário, muitas vezes reduzido a meros bilhões em manchetes, representa na verdade o preço oculto de nossa complacência.
A visão do filósofo: o abismo e o espelho
Na tradição que assume o desafio de olhar o abismo não apenas para contemplá-lo, mas para escarnecer de si mesmo, surge a possibilidade de uma autocrítica radical. O filósofo que encara o rombo do INSS como metáfora de uma falha mais profunda no contrato social nos convoca a perguntar: quem somos, de fato, quando delegamos nossa segurança a burocracias ineficientes?
Aquele que se coloca frente ao espelho da história percebe que as instituições, por melhores que sejam concebidas, carregam em seu ventre as contradições de nossa própria natureza. Almejamos a proteção sem renunciar ao imediatismo; exige-se justiça social enquanto se celebra o privilégio seletivo. Essa tensão reverbera na contabilidade obscura do déficit previdenciário.
Ao abordar o “vácuo das promessas” como sintoma filosófico, somos impelidos a transcender a crítica técnica: é indispensável explorar o imaginário cultural que sustenta o mito da segurança garantida. O sistema previdenciário, portanto, converte-se em símbolo de nossa dependência de narrativas confortáveis, ao passo que evitamos encarar a urgência de uma renovação ética profunda.
Bloco de aplicação prática: do discurso ao impacto pessoal
Como esse abismo afeta a vida de cada um de nós? A resposta não está somente nos números, mas no cotidiano de quem vê o futuro filtrado por e-mails de cobrança e reportagens alarmantes. Imagine um jovem prestes a ingressar no mercado de trabalho: ensinado a economizar no cartão de crédito, mas desorientado diante da instabilidade de um sistema que não assegura sequer um horizonte previsível de aposentadoria.
Para o trabalhador de meia-idade, o espanto ao descobrir que, para manter o benefício mínimo, terá de postergar a saída do ativo ou aceitar condições degradantes de contribuição. O idoso, por sua vez, sente na pele o descaso quando as revisões se arrastam ou quando a fila se estende em filas de agências sempre lotadas.
A percepção difusa do rombo gera ansiedade, culpa e desconfiança. Anos de contribuição podem não se traduzir na segurança prometida. Essa insegurança reverbera em decisões concretas: adiar projetos de vida, postergar sonhos, acumular reservas extras — ações individuais que, coletivamente, geram novas distorções no sistema econômico.
Não basta discutir reformas em gabinetes. É preciso retomar a noção de bem comum como o verdadeiro alicerce de qualquer previdência. Cada ação individual, cada voto consciente, cada pressão social por transparência e equidade, torna-se peça de um delicado mecanismo de responsabilização mútua.
Conclusão forte e reflexiva
O vácuo das promessas não se preenche apenas com lei seca ou cálculos atuariais. Exige-se coragem para questionar a fábula da prosperidade sem custo, a pretensão de delegar nossa própria sobrevivência sem vigilância permanente. É tempo de olhar para o rombo do INSS não como escândalo isolado, mas como reflexo de uma falha ética global.
Somente reconhecendo que cada linha vermelha do orçamento carrega a marca de nossas escolhas — coletivas e individuais — é que podemos reinventar o pacto social. A crise previdenciária serve de convite: a abolição dos confortos ilusórios e a construção de uma visão de futuro que assuma o preço real da solidariedade.
No fim, o abismo nos encara de volta. Mas foi nesse confronto que descobrimos que, mesmo na escuridão dos desvios e das promessas quebradas, podemos buscar a luz. E é com a Trincheira em mãos que nos lançamos na busca incansável pela verdade oculta, convencendo cada alma a não se limitar às aparências, mas a escavar até encontrar o fundamento de um novo compromisso com o que realmente importa: nossa própria dignidade.
No oculto que existe no mundo, em tudo podemos buscar a verdade e subjetivamente convencer as pessoas a buscarem a verdade com a Trincheira.